Tuesday, January 13, 2009

Pergunta sobre o jovem pós-1985

Uma pessoa me perguntou sobre a juventude atual, de que forma ela foi afetada pelo controle da indústria cultural pela ditadura. Também me perguntou sobre como isso era tratado pela História, em sala de aula.
Começarei respondendo a segunda pergunta. Geralmente não damos muita atenção a isso. Por quê? Não é alienação, mas sim calendário curto. É difícil chegar nesse momento mais recente, já que o conteúdo é enorme, e sempre aumenta. Também, esse não é um ponto muito enfatizado pelos livros, ainda mais com a preocupação com o vestibular. Porém, sua pergunta me deixou insatisfeito e tentarei enfatizar mais essa questão.
Quanto a primeira pergunta, não acho que a indústria cultural tenha mais força no Brasil do que em outros países, também não penso que ela 'modelo' de forma absoluta o cidadão – o consumidor já são outros 500, mas mesmo assim, seu poder não é total. Agora, concordo que a família e, principalmente a escola (em parte por deficiências nossas, dos professores, mas principalmente devido a sua estrutura rígida), estejam em desvantagem.
Porém, acho que a luta não é tão desigual, falta a família se reinventar para atender às demandas de seus filhos. Os filhos também deveriam tentar se adaptar um pouco às demandas dos pais, uma troca, com concessões mútuas – essa coisa de jovem rebelde, pra mim é um saco – como a mídia se reinventa para atender seu consumidor.
Ditadura cultural desde 64? O cinema estadunidense já era uma força aqui nos anos 30 e 40 e também é válido lembrar que dois grandes movimentos contestatórios: a Tropicália e a Jovem Guarda (gostando ou não foi contestador, do ponto de vista dos costumes), se deram nos anos pós-64. É claro que com problemas de censura, que também sofreu o tão incensado Cinema Novo, importantíssimo! Do ponto de vista artístico e quase sem repercussão popular, que preferia as chanchadas (que hoje são resgatadas).
Abro parênteses: Na minha opinião, o Cinema Novo chegou a ter um certo efeito nocivo, ao estabelecer o filme cabeça como parâmetro de filme nacional, o que só foi rompido com a 'retomada' dos anos 90, a qual tentou conciliar proposta com público – os filmes cabeça podiam ser feitos pq contavam com verba da EMBRAFILME, a qual era braço da ditadura! Os caminhos são mais tortuosos do que pensamos... Fecho parênteses
Quanto a eficácia da dominação pela mídia, concordo que tem papel fundamental. Hoje é difícil saber o que se deve e se pode saber. Há overdose de informação e pouca condição de análise.
Quanto a uma continuação da ditadura, acho que há continuidades e rupturas. Continuamos desejando um Estado que cuide de nós, que nos proteja e que tome as decisões para que possamos nos preocupar com outras coisas – basta citar a polêmica na comunidade sobre palavrões, chat, etc. Houve quem defendesse um professor como moderador: “assim o pessoal vai respeitar mais”. É atitude característica da democracia liberal: “quero liberdade, sou contra o autoritarismo; agora, se a liberdade do outro começar a me incomodar, prefiro o autoritarismo pra colocar ordem”. Da mesma forma, há rupturas, como a valorização da democracia e da liberdade, porém, interpretadas como contestação, oposição. Me lembro de um major que comentou que ficou 2 horas esperando para falar com um deputado e que, quando reclamou, recebeu essa resposta: “isso é por causa do qeu vocês fizeram comigo” e o major respondeu: “se o senhor está se referindo à ditadura militar, pode saber que tenho 42 anos e que, em 1964 eu tinha 4 meses de idade.”
A ditadura assim tem duas imagens: a lei e a ordem que gostariamos de ter para poder sair a noite, mas também é a lei e a ordem que não nos permitiria beber com menos de 18 anos. Ela é muito mais uma representação do que uma noção real. Acho que os jovens têm muito pouco interesse por ela, em parte por causa da aceleração do tempo. O movimento dos caras pintadas parece jurássico, um de seus líderes é prefeito, e o movimento estudantil parece coisa do Big Bang, um de seus líderes já foi ministro e outro foi ministro e candidato a presidente.
A mulecada de hoje? A busca por exibir a sua autenticidade, mostrar quem realmente são, assumir posições: “sou negro”, “sou gay”, 'sou mau”, “sou patricinha”, “sou funkeiro”, “sou emo”, “sou torcedor de tal clube”, etc.
Será que temos necessidade disso? É um direito de cada um? Sim. Mas a pessoa tem o direito de nos empurrar sua identidade o tempo todo? Falar sobre sua privacidade o tempo todo? Gritar na sala de aula? Falar aos berros no celular no trem? Ficar gesticulando, se manifestando em altos brados no metrô – o que não é permitido (opa! Isso é autoritarismo, não é mais ditadura!), Ficar tirando foto em casamento, festa, etc, passando pra lá e pra cá atrapalhando a cerimônia?
Acho que coloquei mais questões do que respostas a respeito do que os jovens mudaram a partir de 1985. Não acho que os jovens de hoje sejam alienados, egocêntricos. Os acho bem conscientes. Estão conscientes do que é AIDS e preservativo e preferem não usá-lo. Estão conscientes de que beber bebidas alcoólicas com menos de 18 anos é crime, mas preferem beber. Estão conscientes de que devem cumprir regras, mas preferem não cumprir. Estão conscientes de que muitos não cumprem regras, mas que essas pessoas devem cumpri-las se for do interesse deles, jovens.
Acho que os jovens de hoje têm grandes possibilidades, muitas das quais estão distorcidas por falhas dos seus pais, os quais, vítimas da indústria cultural de final da ditadura, influenciada pelo Dr. Spock, o psicólogo, associou trauma/autoritarismo/autoridade e liberdade/liberalidade/democracia. Em parte, isso se deu pelas demandas de mercado, afinal, era mais prático dar liberdade aos filhos do que controlá-los - “não sei onde meu filho está, confio nele” / tempos depois: “meu filho? Envolvido com drogas? Eu não sabia.”
Acredito que a família está se reestruturando e que isso talvez leve a transformações futuras, quanto ao jovem pós-1985, sei muito pouco, tenho mais perguntas do que respostas.